sábado, 10 de janeiro de 2015

POESIA: NARCISO CEGO

Sou grande fã da obra do amazonense Thiago de Mello. Neste blog, já publiquei uma das suas poesias, que considero "estado da arte" e que se chama "Na manhã do milênio". Hoje, vou publicar uma poesia chamada Narciso Cego na qual Thiago de Mello esbanja o seu talento para usufruir das palavras em favor da arte poética. Espero que vocês apreciem.
 
Narciso Cego
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Tudo o que de mim se perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio - não me frequento
 
Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me, íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto comtemplar
aquilo que ignoto sou;
distinguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.
Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.
 
Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhando
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo - pânico mudo -
entre o sonho e o sonhador.

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