terça-feira, 27 de janeiro de 2015

AS BOLHAS DA CLASSE MÉDIA

Eu moro na cidade do Rio de Janeiro. Isso mesmo, sou afortunado por ter ao meu redor serras, maciços, a maior floresta urbana do mundo e um litoral deslumbrante, além de outras coisas que o próprio ser humano colocou ou construiu na superfície da terra carioca.
 
Moro num bairro chamado Tijuca. Se você não conhece o Rio, vou te dizer o que é a Tijuca. É o único bairro do Rio que tem uma designação própria para quem nele mora ou nasceu: tijucano. Aqui, o indivíduo é carioca, mas também é tijucano.
 
É um bairro de classe média tradicionalista. Não há praia na Tijuca, mas conheço vários tijucanos com patrimônio e renda, que lhes permitiriam morar numa quadra de praia como Barra da Tijuca, Copacabana, Leme, Ipanema e por aí vai. Ocorre que a Tijuca fica bem próxima do centro do Rio e faz fronteira com um túnel chamado Rebouças, que liga direto a Tijuca a Lagoa Rodrigo de Freitas e a algumas praias. No lado norte, há uma estrada pequena, que corta a floresta da Tijuca, chamada Alto da Boa Vista, que faz ligação direta da Tijuca com a Barra da Tijuca.
 
Eis porque a Tijuca é um bairro de classe média. E, também, tradicionalista, mas tão tradicionalista, que desde a primeira eleição majoritária pós-ditadura, 1982, salvo algum esquecimento de minha parte, nenhum candidato de esquerda venceu eleição por aqui  e, também,  não a trocam por nenhum outro bairro.
 
O bairro tem problemas urbanos considerados "normais". Mas, o que tem apavorado o tijucano e a classe média de outros bairros, é o que denomina-se de insegurança. A rigor, o que ocorre por aqui e em outros bairros do Rio de Janeiro, que está deixando a classe média desesperada, violenta e reguladora ao extremo ( sugiro a leitura do texto que publiquei - A Era dos Regulamentos: Sociedade - ) nada mais é do que a violência juvenil, geralmente mestiça ou negra, que pratica furtos de aparelhos "Iisso", "Iaquilo", "Smarts", "Tabletes", cordões, pulseiras, bolsas etc. Geralmente tais jovens andam em dupla ou daí para mais um pouco. A pé ou sobre bicicletas.
 
A reação da classe média tem sido o apartheid social. Ou, o que eu chamo de bolhas de defesa e separação(apartamento).
A onda agora é morar em condomínios fechados com grande e boa área de lazer. Os condomínios são as principais bolhas. Tranca-se dentro deles. Os jovens de até 16 anos geralmente são impedidos pelos pais de irem a rua, a não ser que vão em grupo e seja para algum local próximo. Quando muito, permite-se que pratiquem musculação e/ou algum tipo de luta. Sim, pra sair da bolha é preciso saber se defender, ou quem sabe com o corpo inchado de proteínas artificiais "impor medo aos vagabundos".
 
A mesma classe média que reclama da quantidade de leis que o país possui, é a mesma que faz os regimentos internos dos condomínios ficarem maiores do que a própria Constituição Federal! Sim, com medidas neuróticas de segurança, como a proibição da entrada de "entregadores" (normalmente negros). Aí percebe-se que alguém que pediu um remédio pra farmácia e está sozinho, precisa que o "entregador" vá até seu apartamento, então cria-se uma exceção a regra...mas, e o entregador de uma geladeira, um fogão ou um sofá novo? então cria-se outra exceção....mas, e o entregador de comida pro cara que está com lombalgia? então cria-se outra exceção....mas, e a entrega do supermercado com 10, 12, 16 ou mais caixas com sacolas? então cria-se outra exceção. E por aí vai e vai e vai e mesmo assim não se dão conta de que tal regra, como outras, viram as "regras das exceções".
 
Importa mesmo, sentir-se seguro. Tomar atitudes! E aí lá vai a dona classe média e coloca seguranças na rua, sob a fachada de pessoal para "apoio". Isso mesmo. Com eles, pode-se chegar até a calçada, pois a "segurança" estará garantida. Nada disso. Os jovens que furtam são ligeiros, audaciosos e dão olé em qualquer "apoio", pois ao contrário dos filhos da classe média, foram criados soltos. Mais até do que soltos, foram criados largados e seus instintos juvenis são muito mais desenvolvidos. Quem apanha da vida e vive a vida, aprende mais rápido.
 
As bolhas são várias: ônibus escolares, shopping centers, brinquedos eletrônicos etc.
 
Apesar de estarem em pânico e promoverem o uso das bolhas apartamentistas, a classe média não perde a pompa. Não. Não, mesmo. A maioria vai a missa católica dos domingos e lá fala e ouve sobre caridade, olhar para os mais pobres, que matar é um dos pecados capitais e etc. Muito bem, basta saírem do interior da igreja que em qualquer roda de conversa defendem a prisão para menores e até mesmo a pena capital.
 
Se alguém acha que o Brasil foi o último país do mundo a abolir , pelo menos oficialmente, a escravidão e não entende ou acha que foi por acaso; ligue o passado ao presente. O que ocorreu ontem, explica tudo que ocorre hoje.
 
Faça isso e você concluirá que não há nenhuma novidade acontecendo.....talvez uma, os quilombos não são mais proibidos.

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