segunda-feira, 30 de março de 2015

RENATO RUSSO, O POETA PÓS DITADURA

Se vivo fosse, Renato Russo teria feito 55 anos na última sexta-feira, dia 27 de março. Passados 3 dias, como não houve aniversário para comemorar, não poderia deixar de prestar a minha homenagem ao músico e poeta que marcou a geração dos anos 80 e 90, mas que continua a cultivar admiradores da sua obra. Não sei se a Legião Urbana foi a banda de rock mais importante do Brasil, mas sei que foi e continua sendo a mais marcante.
 
Renato via e viveu o que muitos viam e vivenciaram, o terror da ditadura, a segregação social acompanhada da segregação racial, os sonhos da classe média, as relações entre pessoas e o amor como fim em si mesmo.
 
Diferente de outros compositores da época, Renato Russo foi capaz de misturar diversos temas em tramas poetizados como nenhum outro compositor e poeta dos anos 80 e 90 viria a fazer com tanta sensibilidade e em grande quantidade.
 
Renato enxergava com o coração e escrevia com um estilo único. As amarras que fazia em músicas existencialistas ou de críticas políticas com paixões e amores, tornaram as suas letras, pelo menos até agora, atemporais.
 
"Todos os dias quando acordo
Não tenho mais
O tempo que passou..."
 
Parece obvio, não? Errado, pois em outra letra ele dirá que o "...infinito é realmente um dos deuses mais lindos..."
 
E fica menos obvio, porém tocante a todos quando em Tempo Perdido o poeta busca apoio "...então me abraça forte
E diz mais uma vez que já estamos
Distantes de tudo..."
Primeiro a constatação, depois o medo, depois a busca do apoio humano!
 
O deus infinito de Quase sem Querer, também o leva ao contato humano.
"...Me disseram que você
Estava chorando
E foi então que eu percebi
Como lhe quero tanto"
 
Nada no Renato é desprovido das relações humanas e afetivas. "...Eu gosto de meninos e meninas...". Hoje em dia é menos complicado assumir-se uma opção sexual fora dos padrões, apesar do preconceito ainda ser grande. Na época do Renato era muito mais complicado e ele assumiu fazendo música e poesia cantada. Surpreendentemente, quanto mais ele assumia as suas diferenças e escolhas, que a rigor ele não tratava como escolhas, mas como instinto e portanto algo natural, mais ele era idolatrado.
Como ele mesmo disse, ele não optou pelo conforto de ser agradável, mas optou por ser ele mesmo. Renato Russo não nasceu, foi criado pelo próprio para assumir-se em toda a sua plenitude. Suas letras refletiam a verdade. A sua verdade. Agradasse a alguns ou desagradasse a outros. Viril contra a ditadura em Geração Coca-Cola e com a "sujeira do senado" ele já falava dos malefícios dos anos de chumbo e da corrupção no Brasil, país disposto até mesmo a vender "os índios num leilão".
 
Vento no Litoral e Ainda é Cedo são duas músicas dedicadas a paixão. Bem ao seu jeito, cada dia um dia, cada época uma época, a primeira música fala de uma relação homossexual interrompida e a segunda fala de uma relação heterossexual, também interrompida, ainda que para ele fosse cedo demais.
 
Mesmo sucumbindo diante de sua doença com aparente desinteresse em lutar por mais algum tempo de vida, Renato deixou seu sofrimento escrito em letras fortes como as do disco A Tempestade, mostrando que a sua lírica era comandada pelos acontecimentos.
A letra da música A Via Láctea deixa isso bem claro:
"Quando tudo está perdido
Sempre existe um caminho
Quando tudo está perdido
Sempre existe uma luz


Mas não me diga isso

Hoje a tristeza
Não é passageira
Hoje fiquei com febre
A tarde inteira
E quando chegar a noite
Cada estrela
Parecerá uma lágrima..."

 
Em outubro de 1996 eu chorei a morte do poeta. Muitos choraram a morte do poeta. Mas, uma das estrofes mais bonitas da sua obra nos instiga a pensar nos vivos. Com tanta coisa agressiva e estranha acontecendo no Brasil e no mundo, encerro com seus versos de esperança e crença na humanidade:
"...É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há..."

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