quinta-feira, 4 de junho de 2015

BRASIL, QUANDO A LEI ÁUREA SERÁ ENTENDIDA?

Nos anos da minha infância me ensinaram que o Brasil havia extinguido a escravidão através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.
 
Eu nunca fui estudante brilhante, do tipo que as pessoas comentam - essa criança é um gênio!!! Acho mesmo que eu era do tipo tardio, aquele cara que demora um pouco mais que a média para compreender algo.
 
Mas, o que me lembro mesmo é que a tia Glória, uma das minhas queridas professoras do antigo primário, ensinava que o Brasil tinha abolido a escravidão e todo dia 13 de maio havia apresentação de trabalhos feitos em cartolinas sobre a abolição, sobre a Princesa Isabel etc.
 
Confesso, talvez por ter sido do tipo tardio, ou pelo estilo decoreba que se aplicava no ensino de assuntos históricos e sociais, estou falando dos anos 70, que eu não sabia o que significava ser escravo, portanto eu não sabia o que significava a abolição. O que eu sabia, por ver nas fotos dos livros é que só havia escravo negro.
 
Eu fiz o primário num colégio particular e me lembro bem da minha turminha. Posso afirmar sem medo de estar sendo traído pela minha memória que de um total de 20 a 25 crianças, apenas uma era negra.
 
Eu não conseguia juntar uma coisa(escravidão) a outra(apenas um negro numa turma com mais de vinte crianças).
 
Ora, o que realmente educa é o empenho dos pais, parentes e professores para que as crianças consigam refletir, analisar, interpretar e pensar num padrão de causa(s) e consequência(s). Isso independe da idade. Não importa se são crianças, adolescentes, adultos. O processo educativo deve ser contínuo, humanista e integral.
 
A nossa educação, de um modo geral, não incentiva a liberdade de reflexão. Em História, Geografia, Estudos Sociais, durante décadas a ditadura militar fez o país desaprender como é que se estuda tais áreas do conhecimento. E é obvio, que mesmo com o fim da ditadura o estrago já estava feito, pois os professores que viriam a dar aulas nos anos 80 e 90 em grande parte tinham sido formados pela forma do factual decoreba e com temáticas proibidas na área das ciências humanas.
Anteontem, dia 2 de junho de 2015, a Presidenta Dilma assinou a PEC dos trabalhadores domésticos, em sua  maioria composta pelas empregadas domésticas.
 
O assunto ficou cerca de três anos sendo discutido, pois a famosa classe média chiou e esperneou quando Dilma no seu primeiro mandato remeteu a PEC para o Congresso. Ah, o Congresso, poucos ali se atrevem a contrariar a classe média. Agradar a classe média é praticamente sinônimo de reeleição.
 
As ameaças de demissão das domésticas foram a primeira reação de boa parte da classe média. Pagar mais? limitar a carga horária, ter que assumir compromissos legas com assinatura de carteira de trabalho?.......Não, isso é demais. Com os impostos já "pagamos o bolsa família" para "quem não quer trabalhar" e agora mais essa, direitos trabalhistas para as empregadas!
 
Pobre país, gigante, porém apequenado pela ignorância. A parte da classe média mais ignorante é aquela que nunca aprendeu ao longo da sua educação que o quartinho da empregada, normalmente um cubículo e o restante da casa com quartos maiores, nada mais é do que uma versão do século XX para a casa grande e a senzala.
 
Qual a percentagem de negras entre o total de empregadas domésticas? Não vou responder. Vou apenas dizer que a parte mais ignorante da classe média jamais conseguiu refletir sob a forma de causa e efeito para ligar a escravidão e a forma como ela foi abolida no Brasil com o fato de a grande maioria de empregadas domésticas ser composta por mulheres negras!
 
Em matéria do dia 3 de junho na página 21 do jornal O Globo sobre a sanção da nova lei, o jornal entrevistou o professor e pesquisador da FGV Rodrigo Leandro de Moura. Segundo o jornal relatou o notório professor disse que a regulamentação da PEC não deveria ter sido feita agora. Diz o professor "A PEC vai aumentar o custo das famílias em empregados domésticos. Não acredito em aumento da formalização, mas na queda da ocupação e aumento da informalidade, e substituição da empregada por diaristas."
 
Professor Rodrigo, o assunto antes de ser econômico é de princípios. Princípios ligados a busca pela igualdade de direitos, ligados a busca pelo respeito aos empregados domésticos e resgate histórico de uma parcela ainda muito tímida do que o Brasil desenvolvido e intelectualizado como o notório professor citado deve, de débito, aos negros e a outros grupos de explorados como o povo do sertão nordestino.
 
E, se houver queda da formalidade na realização trabalhista, será por mesquinharia. E se houver substituição em massa por diaristas, será a comprovação de que a Lei Áurea não foi entendida e não há nada para ser comemorado nos dias 13 de maio de cada ano.

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